segunda-feira, 21 de abril de 2014

Meu ex-câncer de mama e os desafios do caos urbano no Recife – parte 9

 Foto: Divulgação

Minhas idas e vindas ao Hospital Português (aquele que mais parece um resort do que um espaço de tratamento de saúde) tem sido de aventuras, descontrações, medo e insegurança. Um pouco de cada coisa ou tudo isso junto a depender do dia.

O horário é sempre à noite e como sei que o transito depois das 20h está menos complicado entre o bairro de Boa Viagem e a Av. Agamenon Magalhães, vou de ônibus até mesmo para flanar e conhecer um pouco o cotidiano das pessoas. O coletivo está sempre correndo feito louco, freando da mesma forma, quando não passa direto da parada obrigatória mesmo que as pessoas estejam com as mãos levantadas.

Tudo é passageiro (entendo!!) menos o cobrador e o motorista, claro. Ainda assim, faz sentido conhecer este ambiente que para os mortais da classe D/E é mega natural: o motorista não para no ponto obrigatório (mesmo com acenação das pessoas), é sempre um corre-corre para subir os degraus do ônibus e os abrigos (a maioria) estão danificados e não acolhem os usuários do transporte.

Além de lidar com as reações físicas da radioterapia (ardor, irritação, alergia e queimação em toda área do busto esquerdo...tudo isso é assim mesmo...) tenho que conviver com as dificuldades de acesso para transitar na Avenida Agamenon Magalhães*, um dos maiores corredores de circulação de carros, gente e outras coisas mais.

A Agamenon (como é conhecida) é a espinha dorsal da cidade que liga o Recife a Olinda. Nasceu na década de 1960 e é cortada por um canal (7 km de extensão) horrível, fedorento e jamais navegável. Conta-se que os dejetos residenciais das áreas circunvizinhas deságuam neste local. O resto fica por conta da nossa imaginação.

Foto: Divulgação

O primeiro “abrigo” de ônibus da Av. Agamenon (sentido Boa Viagem/Olinda) pretende atender um amontoado de pessoas que disputam um lugarzinho num espaço de aproximadamente 1,20m de largura e boa parte dessa tal calçada é inclinada. Como fica a questão do cadeirante? É impossível avaliar. Não cabe nesse contexto.

Há uma “briga” por um taco dessa calçada entre usuários do coletivo, ambulantes mascates que vendem CDs piratas com a maior tranquilidade e ainda acham pouco colocam o som nas alturas, e os automóveis que transitam entre uma faixa e outra que divide duas pistas de carros, mas parecidas com o “corredor da morte” por atropelamento. Por que isto funciona assim? É simples. Este caos nunca foi alterado porque os filhos dos prefeitos da cidade nunca passaram a pé por esta área. Simples assim.

Conheço o Recife na palma da mão (amo esta cidade apesar de...) e posso dizer com tranquilidade que é simplesmente um horror muitos dos espaços públicos nos quais as pessoas são obrigadas a transitar e a conviver (dia a dia) com a ausência de políticas efetivas que atuem na mobilidade urbana de forma “humana”. Os exemplos das fotos ajudam a entender.

Na volta pra casa, às vezes, vou de carona, mas também vou de ônibus. Perigoso? Possivelmente. No entanto, fico imaginando as centenas de pessoas que fazem esse percurso diariamente após o trabalho ou escola/faculdade. Muitas continuam vivas, ora. E os assaltos? Bom, o medo é um sentimento que envolve as pessoas em várias situações. Mas é preciso ir. É preciso superar.

Quando a máquina da radioterapia tem algum problema (falta de energia ou qualquer coisa do gênero) há um efeito dominó em relação aos atendimentos. Atrasa tudo e você é obrigada a sair, às vezes, 23h. Vou de táxi? Sim...você sabe...Mas pensando bem o perigo é o mesmo. Você não sabe com quem está viajando, não é mesmo?

Estar no Recife fazendo este tratamento é uma constante convivência com emoções. É um encontro com pessoas que estão fazendo quimioterapia, sem cabelos, definhado, mas superando desafios, indo à luta e ao mesmo tempo com esperança. Olho para elas e penso “Deus, como o meu problema é pequeno”. Por outro lado, encontramos pessoas com câncer da alma, mal resolvidas, que tem saúde, uma vida pra viver, mas vive para ser infeliz e fazer com que outras pessoas também sejam tão infelizes como elas. (Já falei disso aqui em outro momento).

Assim, fico imaginando que pegar um ônibus com toda essa aventura associada (insisto em dizer que o serviço de mobilidade urbana precisa melhorar e com urgência) ainda é pouco pra dizer “não vale a pena”, “tenho medo” e “não vou”.

Quanto mais enfrentamos desafios, mais forte ficamos. Simples, assim! 



* E o nome da Avenida? Agamenon Sérgio de Godoy Magalhães, pernambucano do Sertão, foi ministro do Trabalho e da Justiça no governo Getúlio Vargas e interventor federal de PE na época do Estado Novo. O nome da avenida é uma homenagem do seu sobrinho, o engenheiro Geraldo Magalhães Melo, prefeito do Recife com gestão marcada por fortes intervenções urbanas entre os anos de 69 e 70. Isso diz muito, hen?