Foto: Divulgação
Minhas idas e vindas ao Hospital Português (aquele que mais
parece um resort do que um espaço de tratamento de saúde) tem sido de aventuras,
descontrações, medo e insegurança. Um pouco de cada coisa ou tudo isso junto a
depender do dia.
O horário é sempre à noite e como sei que o transito depois
das 20h está menos complicado entre o bairro de Boa Viagem e a Av. Agamenon Magalhães,
vou de ônibus até mesmo para flanar e conhecer um pouco o cotidiano das
pessoas. O coletivo está sempre correndo feito louco, freando da mesma forma,
quando não passa direto da parada obrigatória mesmo que as pessoas estejam com
as mãos levantadas.
Tudo é passageiro (entendo!!) menos o cobrador e o motorista,
claro. Ainda assim, faz sentido conhecer este ambiente que para os mortais da
classe D/E é mega natural: o motorista não para no ponto obrigatório (mesmo com
acenação das pessoas), é sempre um corre-corre para subir os degraus do ônibus
e os abrigos (a maioria) estão danificados e não acolhem os usuários do
transporte.
Além de lidar com as reações físicas da radioterapia (ardor,
irritação, alergia e queimação em toda área do busto esquerdo...tudo isso é assim
mesmo...) tenho que conviver com as dificuldades de acesso para transitar na Avenida
Agamenon Magalhães*, um dos maiores corredores de circulação de carros, gente e
outras coisas mais.
A Agamenon (como é conhecida) é a espinha dorsal da cidade
que liga o Recife a Olinda. Nasceu na década de 1960 e é cortada por um canal (7
km de extensão) horrível, fedorento e jamais navegável. Conta-se que os dejetos
residenciais das áreas circunvizinhas deságuam neste local. O resto fica por conta
da nossa imaginação.
O primeiro “abrigo” de ônibus da Av. Agamenon (sentido Boa
Viagem/Olinda) pretende atender um amontoado de pessoas que disputam um
lugarzinho num espaço de aproximadamente 1,20m de largura e boa parte dessa tal
calçada é inclinada. Como fica a questão do cadeirante? É impossível avaliar. Não
cabe nesse contexto.
Há uma “briga” por um taco dessa calçada entre usuários do
coletivo, ambulantes mascates que vendem CDs piratas com a maior tranquilidade e
ainda acham pouco colocam o som nas alturas, e os automóveis que transitam entre
uma faixa e outra que divide duas pistas de carros, mas parecidas com o “corredor
da morte” por atropelamento. Por que isto funciona assim? É simples. Este caos
nunca foi alterado porque os filhos dos prefeitos da cidade nunca passaram a pé
por esta área. Simples assim.
Conheço o Recife na palma da mão (amo esta cidade apesar
de...) e posso dizer com tranquilidade que é simplesmente um horror muitos dos
espaços públicos nos quais as pessoas são obrigadas a transitar e a conviver
(dia a dia) com a ausência de políticas efetivas que atuem na mobilidade urbana
de forma “humana”. Os exemplos das fotos ajudam a entender.
Na volta pra casa, às vezes, vou de carona, mas também vou
de ônibus. Perigoso? Possivelmente. No entanto, fico imaginando as centenas de
pessoas que fazem esse percurso diariamente após o trabalho ou
escola/faculdade. Muitas continuam vivas, ora. E os assaltos? Bom, o medo é um
sentimento que envolve as pessoas em várias situações. Mas é preciso ir. É preciso
superar.
Quando a máquina da radioterapia tem algum problema (falta
de energia ou qualquer coisa do gênero) há um efeito dominó em relação aos
atendimentos. Atrasa tudo e você é obrigada a sair, às vezes, 23h. Vou de táxi?
Sim...você sabe...Mas pensando bem o perigo é o mesmo. Você não sabe com quem
está viajando, não é mesmo?
Estar no Recife fazendo este tratamento é uma constante convivência
com emoções. É um encontro com pessoas que estão fazendo quimioterapia, sem
cabelos, definhado, mas superando desafios, indo à luta e ao mesmo tempo com
esperança. Olho para elas e penso “Deus, como o meu problema é pequeno”. Por
outro lado, encontramos pessoas com câncer da alma, mal resolvidas, que tem
saúde, uma vida pra viver, mas vive para ser infeliz e fazer com que outras
pessoas também sejam tão infelizes como elas. (Já falei disso aqui em outro
momento).
Assim, fico imaginando que pegar um ônibus com toda essa
aventura associada (insisto em dizer que o serviço de mobilidade urbana precisa
melhorar e com urgência) ainda é pouco pra dizer “não vale a pena”, “tenho medo”
e “não vou”.
Quanto mais enfrentamos desafios, mais forte ficamos.
Simples, assim!
* E o nome da Avenida? Agamenon Sérgio de Godoy Magalhães, pernambucano
do Sertão, foi ministro do Trabalho e da Justiça no governo Getúlio Vargas e
interventor federal de PE na época do Estado Novo. O nome da avenida é uma
homenagem do seu sobrinho, o engenheiro Geraldo Magalhães Melo, prefeito do
Recife com gestão marcada por fortes intervenções urbanas entre os anos de 69 e
70. Isso diz muito, hen?