domingo, 14 de outubro de 2007

Tropa de Elite - O filme

Vale a pena postar esta entrevista do co-roteirista do filme Tropa de Elite, Rodrigo Pimental, publicado no Jornal do Commercio de hoje.

Notícias de uma guerra perdida

Em 1997, o então capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro Rodrigo Pimentel deu uma entrevista ao cineasta João Moreira Salles para o documentário Notícias de uma Guerra Particular. De lá para cá, a vida de Pimentel, hoje com 36 anos, mudou completamente.

Há sete anos fora da PM, o ex-oficial fez pós-graduação em sociologia, escreveu um best-seller e co-roteiriza o arrasa-quarteirão nacional Tropa de Elite. Nessa entrevista, por telefone, ao repórter Eduardo Machado, Pimentel comenta os bastidores do filme e põe na conta de toda a sociedade o estado de violência em que vivemos. Ele estará amanhã no Recife a convite do blog PEbodycount. O evento será realizado às 19h, na Faculdade Maurício de Nassau, na Rua Guilherme Pinto.

JORNAL DO COMMERCIO – Atualmente onde você trabalha?
PIMENTEL– Em um banco privado, na área de segurança.

JC – Desde quando?
PIMENTEL – Desde que saí do Bope e pedi baixa da polícia em 2000.

JC – Como é sua relação hoje com a polícia?
PIMENTEL – Com uma parte dos policiais que se identificaram e gostaram do filme é muito boa. Recentemente, uma associação de militares do Estado daqui do Rio de Janeiro me concedeu uma medalha, medalha que durante a minha vida na ativa como policial eu nunca ganhei. Com a outra parcela da polícia, a relação é tensa, é ruim. É muito legal também que o PM de forma geral virou um aliado do filme. Se você vê a comunidade do Orkut da PMRJ, os comentários favoráveis ao filme são quase que maioria absoluta. Você chegou a ver o filme?

JC – Sim.
PIMENTEL – Tem uma cena lá que o PM tem que pagar para entrar de férias. O policial militar não se vê como aquele que cobra para o outro, mas sim como o PM que está sendo extorquido. E ainda que ele se enxergue mais na frente como corrupto, ele entende que o contexto, as circunstâncias, é que o levaram a isso.

JC – Compreendo...
PIMENTEL – Tem mais. O Bope nunca havia desfilado no Sete de Setembro. Existe desde 1981 e em 26 anos de idade nunca havia desfilado no Sete de Setembro. Este ano, o comandante da Polícia Militar determinou ao comandante do Bope, coronel Pinheiro Neto, que desfilasse no Sete de Setembro, resultado: a tropa foi ovacionada, foi aplaudida de pé. As pessoas no Rio de Janeiro vivem um momento de indignação com a violência tamanha que começam a heroicizar o Bope, o capitão Nascimento. Eu nunca pensei que isso iria acontecer. Achei que as reações iriam ser outras.

JC – Falando nisso, o que você achou do artigo de Luciano Huck (no qual o apresentador, após ser assaltado, queria que chamassem o capitão Nascimento)?
PIMENTEL – Eu mandei uma carta para o jornal O Dia, na qual eu disse para o Luciano Huck que o Pacto Social vigente no País hoje mão permite que a gente ande de Rolex pela rua. Ele chama a Tropa de Elite para proteger a elite e para proteger o patrimônio da elite. Mas ele esquece que num País com tamanha desigualdade social, o pacto social firmado por nós mesmos, não permite que a gente ande de Rolex. Não permite que a gente ande com um carro de R$ 200 mil reais, sem que ele seja blindado. Então, Luciano Huck diz assim: ou a gente investe em mais escolas ou a gente chama o capitão Nascimento. Não há meio termo. Ele esquece que um investimento maciço em educação, que é um investimento que só retornará a longo prazo, e o capitão Nascimento que é torturador e mata bandidos, entre essas duas coisas tem a polícia investigativa, tem a polícia científica, tem um sistema prisional de melhor qualidade, uma reformulação no Código Penal, tem a questão da impunidade... Então achei que ele foi muito infeliz. Tenho certeza de que ele é uma pessoa de boa índole, tenho certeza de que ele estava tomado por um ódio momentâneo, mas a verdade é que naquele dia que o Luciano Huck foi assaltado, outras 480 pessoas foram assaltadas na grande São Paulo. Sei que ele é um cara do bem, que desenvolve ações sociais, é uma pessoa que está preocupada em ajudar os outros é uma pessoa altruísta, acho que faltou ali alguém para segurá-lo na hora em que ele resolveu falar com os jornais.

JC – Quanto de você tem no capitão Nascimento?
PIMENTEL – Olha só, aqueles dramas vividos pelo Nascimento, dramas familiares, vontade de sair do batalhão, pragmatismo, estresse, aqueles dramas são comuns a todos os policiais do Bope. O oficial do Bope permanece naquela unidade cinco, seis anos, às vezes sete anos, numa rotina de operação em favela quase dia sim, dia não. Então eu busquei nos meus dramas pessoais, mas nos dramas de amigos também aquelas situações. Somei cinco ou seis histórias de policiais da unidade para fazer a composição daquele personagem. Os resultados foram interessantes. Meu filho não nasceu durante uma operação. Meu filho nasceu eu estava em casa com a minha esposa. Porém, um oficial do Bope me ligou e disse: “Pô Pimentel, obrigado pela homenagem, meu filho nasceu na operação e tal”. Eu não tive uma discussão calorosa com a minha esposa como aquela. Porém, a esposa de um amigo meu me ligou e disse: “Pimentel, parece que você assistiu a nossa briga”. Eu não tomei Diasepan, mas eu tomei Rivotril. O colega que tomou Diasepan me ligou e agradeceu. Qual é a conclusão? Os dramas eram comuns a todos.

JC – A gente conversando agora em um certo momento você disse que Nascimento era um assassino de bandidos. Existe assassino de bandidos ou existe assassino?
PIMENTEL – Não, olha só... Puxa vida, que difícil você me perguntou agora, cara. Vamos lá. Em um determinado momento, a minha geração de oficiais acreditou que a guerra tinha solução. Que a gente podia ganhar a guerra. Em algum momento, a minha geração acreditou que operações noturnas, com alto grau de letalidade, com enfrentamento aos traficantes poderia inverter o jogo no Rio de Janeiro, poderia mudar o que a gente vê no Rio de Janeiro. O que acontece é que depois de dois anos, o oficial começa a perceber que essas operações são uma grande besteira. Que você subir na favela de madrugada, trocar tiro com traficante para apreender 100 gramas de cocaína, duas pistolas, 100 gramas de cocaína e uma metralhadora, quando na verdade aquela favela tem 50 metralhadoras, 50 fuzis, 50 traficantes... Você começa a perceber que você está enxugando um grande gelo...

JC – Só para ilustrar, aqui no Recife se a polícia faz uma operação e apreende-se duas pistolas e uma metralhadora é um acontecimento...
PIMENTEL – (Risos) Então, quando a pessoa participa dessas operações, acreditando que está fazendo aquilo em benefício da sociedade, eu não diria que essa pessoa é um assassino. Acho que ela realmente tá combatendo com um ideal. Agora, depois que ela é orientada e entende que aquela guerra ali é uma guerra perdida. Que não é daquela forma que ela vai combater o narcotráfico. Se ela persistir no erro, acho que já é sadismo. Mas voltando a sua pergunta, se existe um assassino do bem e um assassino do mal, eu diria que quem mata sem ódio, quem matou bandido acreditando que estava fazendo um benefício para a sociedade, na pura ingenuidade dos vinte e poucos anos, eu não chamaria essa pessoa de assassino.

JC – Mas você vê, por exemplo, a transformação que o aspirante Matias passa no filme. Ele é totalmente respeitador das regras no começo e, depois, ele se torna também um carniceiro...
PIMENTEL – O Matias foi seduzido pela loucura do Nascimento. Um cara totalmente louco. Ele preferia o Neto, mas ele trouxe o Matias para o lado dele. A gente queria mostrar que o Matias chegou ao Bope ingênuo e a gente mostra que o sistema da violência consegue tragar ele. Ele pensa que vai ser um cumpridor da lei e não é o que acontece. Uma coisa meio louca de entender. Eu estou de manhã numa favela matando jovens que vendem maconha e de noite numa festa com jovens que fumam maconha. Sabe, então esse dilema eu vivi. O Matias viveu, é muito doido. O filme leva a uma discussão maior que é a liberação das drogas. Acho que o filme tem uma coisa importante... F... não vou concorrer ao Oscar, gostaria muito de concorrer...

JC – Mas no ano que vem não tem outra chance?
PIMENTEL – Pode, mas aí vai ter que disputar na categoria principal com os filmes de Hollywood. É mais difícil, competir como filme doméstico americano. Perdi lá para Cao Hamburger que é um filme legal e tal, mas o meu consolo hoje é que a gente colocou na pauta do brasileiro a discussão da Segurança Pública. F... que é por duas ou três semanas, mas estamos debatendo Segurança Pública.

JC – Tropa de Elite é um filme para se ver quadro a quadro?
PIMENTEL – Essa questão de bater em todos, de não poupar ninguém é porque todo mundo tem culpa nessa p... A culpa da situação de violência em que vivemos é da corrupção, da impunidade, da sociedade, do Senado, da gente que não escolhe bem... Aí vem alguém e diz que é por causa da classe média que fuma maconha. É também, mas tem ainda o consumismo, o desemprego, a falta de transporte...