sábado, 18 de agosto de 2007

Não sabemos mais protestar nas ruas? Ou a mídia não divulga como antes?



Houve uma época, não muito longe, décadas de 80 e 90, em que os estudantes, trabalhadores, organizações, sindicatos, conselhos de classes e a sociedade em geral iam às ruas com bandeirolas nas mãos produzidas em casa, durante a noite. Vestiam calças jeans desbotadas ou rasgadas, não por opção, mas por falta de uma nova. Todos de camisetas vermelhas, pretas ou brancas para simbolizar unidade e com a imagem sobreposta de Guevara, o mito, a frente da camisa.

Os homens tinham a barba sempre por fazer, chinelos e mochilas de couro e um quepe verde com estrela na cabeça, também alusivo a Guevara, que davam um ar intelectual. As mulheres usavam indumentárias quase parecidas para não se sentirem fora do contexto.

As frases de ordem, dependendo da ocasião, eram quase sempre as mesmas: “ Por um Brasil melhor”; “abaixo a carestia que a panela está vazia”, “ fora Collor”, “o povo não quer ser usado”, “abaixo a ditadura”... entre tantas.

A mídia era parceira desse processo. A comprovação está nos registros dos grandes jornais que acompanharam de perto os movimentos sociais que de modo positivo ou não estavam atrelados a partidos políticos. Isso tudo feito de forma bem às claras. Nas barbas dos coronéis e da tão famigerada burguesia dominante.

Hoje, os papeis estão invertidos. Quem vai à rua protestar é a tão sofredora classe média e os agregados a ela que estão um pouco acima da linha mediana e por isso mesmo vão as ruas como verdadeiramente são: chiques, elegantes e sutil quando querem ser.

Parece que nada disso deve ter mesmo importância, até porque classe baixa, média, proletariado e outras tantas classificações são formadas por brasileiros que sonham, se iludem e votam. Apenas uns comem caviar e outros nunca viram, nem comeram, apenas ouviram falar em algum lugar.

E como a mídia cobre esses acontecimentos? Depende de quem ela quer privilegiar. A ironia toma conta de uma parte dela quando é conveniente. Torna-se agressiva, direta, instigante quando assim lhe parece. O tratamento ao texto está totalmente atrelado a parcialidade. Por exemplo, no movimento Cansei, dia 17, Hebe Camargo chorando nos braços de Ivete Sangalo poderia ter dois tipos de abordagem.

Primeiro: “ Hebe chora a dor dos que perderam seus entes queridos na maior tragédia área do Brasil. Bastante emocionada, a apresentadora veste a camisa do movimento “Cansei”, coordenado pela OBA-SP e junto com outros artistas e socialites vai à Catedral da Sé apoiar o movimento.

Segunda opção: “ Hebe, que diz ser ex-eleitora de carteirinha de Paulo Muluf, demonstra com lagrimas sua indignação contra todo tipo de perda, contra a violência urbana, desmandos de governos e por uma sociedade mais justa, igualitária”.

De um jeito ou de outro a Hebe é a mesma. A mídia também. O diferencial é a essência do movimento. Nesse contexto a perda vem à galope. Os movimentos não são mais os mesmos.

Perdemos o horizonte do inimigo comum. Independentemente das vestimentas e apetrechos de griffs, a verdadeira essência e ideal dos protestos não estão nos semblantes dos que vão as ruas. E a mídia não torna mais poético o fato, não mais instiga e não cobri os acontecimentos como manifestações nascentes da necessidade de mudanças, de transformações.

Com a legitimidade que a democracia proporciona podemos sim fazer algo que vai além das nossas aparências. Mas, ainda que queiramos ou não os movimentos reivindicatórios que verdadeiramente proporcionam transformação pluralista estão comprometidos com políticas diversas que contribuem com o exercício da democracia.

Parece que, até então, só mesmo os grandes movimentos nascidos do PT, PC do B, CUT, por exemplo, irradiavam um brilho e uma vontade transformadora de renovar esta sociedade e tornar estas políticas possíveis de acontecer.