quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Cardozo desiste e a Mulher Pera faz de tudo


Ilustração: Chico Régis (regisimagem@gmail.com)


Texto publicado na revista Meia Um - Brasília

O que tem a ver o ministro da Justiça com a candidata Suelem Aline Mendes Silva? A resposta é o nosso sistema eleitoral

Explico melhor. O programa Band Eleições 2012 de 3 de setembro e o Observatório da Imprensa da TV Brasil de 4 de setembro debateram a temática das candidaturas majoritárias e proporcionais, seus efeitos midiáticos e a produção cinematográfica para televisão dos partidos que detêm maior poder financeiro. Inegavelmente, quem tem mais dinheiro tem melhor desempenho midiático na mostração de uma performance emblemática, novelesca, teatralizada, elitizada, contagiante e – por que não dizer? – emocionantemente bela do ponto de vista da plasticidade, da fotografia, dos filtros, das cores, dos takes e da retórica. É o cinema veiculado na TV, no chamado horário eleitoral, ou, como se diz por aqui no Nordeste, “guia eleitoral”.

Nos dois programas, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi citado várias vezes em relação a sua desistência de concorrer às eleições em 2010. Na Band, o jornalista Fernando Mitre ressaltou as razões pelas quais o ex-secretário do PT teria desistido da corrida à Câmara dos Deputados. Mitre citou expressões usadas por Cardozo como “promiscuidade, descrédito, desestímulo e decepção, assim como o encarecimento gradativo das campanhas”.

O Observatório da Imprensa foi mais longe. O jornalista Alberto Dines mostrou uma entrevista do ex-deputado gravada em 2010 para o programa OI na TV, ocasião esta em que justificou a desistência do cargo de deputado federal, exatamente por discordar do processo de produção e captação de recursos praticado no sistema eleitoral brasileiro.

Não é a primeira vez que a desistência do ex-deputado José Eduardo Cardozo em concorrer às eleições é pauta na imprensa. O ministro da Justiça parece ser (ainda) uma referência como parlamentar. De modo sempre salutar, o fato virou uma espécie de “case político” para embasar as análises dos jornalistas, sociólogos e pesquisadores que mergulham nas entranhas do nosso sistema eleitoral e tentam desenhar o caminho tortuoso que um candidato percorre para ser eleito.

Traçando um paralelo entre a desistência do ex-deputado e a vontade da Mulher Pera em ser vereadora pela cidade de São Paulo, podemos perceber um oceano de questões ideológicas, intelectuais e políticas decorrentes de um sistema eleitoral atrasado, capenga e desacreditado. Sistema este em que os partidos exercem uma permissividade para afiliar candidatos sem questionar o histórico, o perfil político-ideológico e a trajetória profissional. Os partidos contabilizam números e não projetos.

A Mulher Pera, que publicou no seu site oficial a foto de suas nádegas com o seu número de registro, defende a estratégia como forma de divulgação da sua candidatura. Para espanto de alguns, a dançarina alegou em entrevista ao site Yahoo! que “sempre quando publicam minha foto, mostram apenas o meu rosto, mas eu sou conhecida pela minha bunda”.

Vale registrar, ainda, que a tal Mulher Bunda, digo, Mulher Pera, foi candidata a deputada federal pelo PNM em 2010 e, pasme, obteve 3.612 votos.

Sem querer entender o ditado popular de que todo eleitor tem o político que merece, é importante provocar o debate sobre as consequências das nossas escolhas, ainda que seja dentro desse sistema eleitoral.

Nesta eleição, a Procuradoria-Geral Eleitoral já analisou mais de 750 pedidos de indeferimentos de registros de candidatos (prefeitos e vereadores) que trazem em suas fichas, entre outros rótulos, os de traficante, estelionatário, estuprador e homicida.

Considerando os mais de 5 mil municípios país afora, é quase incontável o número de candidatos que se apresenta como figuras emblemáticas, jocosas, sem nenhuma condição de representar o município (muito menos fora dele). É um aglomerado de pessoas que desvaloriza e desqualifica o processo eleitoral. A Mulher Pera não está sozinha.

Baixaria à parte, isso é um retrato fiel do câncer político que está virando uma metástase na nossa democracia, ainda que ela seja jovem. A ausência de credibilidade nos políticos pode responder em parte (mas não justifica) esse tsunami desastroso que elimina, por tabela, pessoas que têm projetos reestruturadores e que poderiam contribuir com mudanças significativas para as cidades e para sociedade em geral.

O modo como o nosso sistema eleitoral está posto abre uma fenda desconcertante na consolidação da estrutura societária. O sistema eleitoral está doente. Precisa ser tratado. Se não acordarmos da inércia que paira sobre a paisagem política eleitoral deste país, estaremos enterrando a nossa democracia, que lutamos tanto para conquistar.