Texto publicado na revista Meia Um - Brasília
O que tem a ver o ministro da Justiça
com a candidata Suelem Aline Mendes Silva? A resposta é o nosso sistema
eleitoral
Explico melhor. O programa Band
Eleições 2012 de 3 de setembro e o Observatório da Imprensa da TV Brasil de 4
de setembro debateram a temática das candidaturas majoritárias e proporcionais,
seus efeitos midiáticos e a produção cinematográfica para televisão dos
partidos que detêm maior poder financeiro. Inegavelmente, quem tem mais
dinheiro tem melhor desempenho midiático na mostração de uma performance emblemática,
novelesca, teatralizada, elitizada, contagiante e – por que não dizer? –
emocionantemente bela do ponto de vista da plasticidade, da fotografia, dos
filtros, das cores, dos takes e da retórica. É o cinema veiculado na TV, no
chamado horário eleitoral, ou, como se diz por aqui no Nordeste, “guia
eleitoral”.
Nos dois programas, o ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo, foi citado várias vezes em relação a sua
desistência de concorrer às eleições em 2010. Na Band, o jornalista Fernando
Mitre ressaltou as razões pelas quais o ex-secretário do PT teria desistido da
corrida à Câmara dos Deputados. Mitre citou expressões usadas por Cardozo como
“promiscuidade, descrédito, desestímulo e decepção, assim como o encarecimento
gradativo das campanhas”.
O Observatório da Imprensa foi mais
longe. O jornalista Alberto Dines mostrou uma entrevista do ex-deputado gravada
em 2010 para o programa OI na TV, ocasião esta em que justificou a desistência
do cargo de deputado federal, exatamente por discordar do processo de produção
e captação de recursos praticado no sistema eleitoral brasileiro.
Não é a primeira vez que a
desistência do ex-deputado José Eduardo Cardozo em concorrer às eleições é
pauta na imprensa. O ministro da Justiça parece ser (ainda) uma referência como
parlamentar. De modo sempre salutar, o fato virou uma espécie de “case
político” para embasar as análises dos jornalistas, sociólogos e pesquisadores
que mergulham nas entranhas do nosso sistema eleitoral e tentam desenhar o
caminho tortuoso que um candidato percorre para ser eleito.
Traçando um paralelo entre a
desistência do ex-deputado e a vontade da Mulher Pera em ser vereadora pela
cidade de São Paulo, podemos perceber um oceano de questões ideológicas,
intelectuais e políticas decorrentes de um sistema eleitoral atrasado, capenga
e desacreditado. Sistema este em que os partidos exercem uma permissividade
para afiliar candidatos sem questionar o histórico, o perfil
político-ideológico e a trajetória profissional. Os partidos contabilizam
números e não projetos.
A Mulher Pera, que publicou no seu
site oficial a foto de suas nádegas com o seu número de registro, defende a
estratégia como forma de divulgação da sua candidatura. Para espanto de alguns,
a dançarina alegou em entrevista ao site Yahoo! que “sempre quando publicam
minha foto, mostram apenas o meu rosto, mas eu sou conhecida pela minha bunda”.
Vale registrar, ainda, que a tal
Mulher Bunda, digo, Mulher Pera, foi candidata a deputada federal pelo PNM em
2010 e, pasme, obteve 3.612 votos.
Sem querer entender o ditado popular
de que todo eleitor tem o político que merece, é importante provocar o debate
sobre as consequências das nossas escolhas, ainda que seja dentro desse sistema
eleitoral.
Nesta eleição, a Procuradoria-Geral
Eleitoral já analisou mais de 750 pedidos de indeferimentos de registros de
candidatos (prefeitos e vereadores) que trazem em suas fichas, entre outros
rótulos, os de traficante, estelionatário, estuprador e homicida.
Considerando os mais de 5 mil
municípios país afora, é quase incontável o número de candidatos que se
apresenta como figuras emblemáticas, jocosas, sem nenhuma condição de
representar o município (muito menos fora dele). É um aglomerado de pessoas que
desvaloriza e desqualifica o processo eleitoral. A Mulher Pera não está
sozinha.
Baixaria à parte, isso é um retrato
fiel do câncer político que está virando uma metástase na nossa democracia,
ainda que ela seja jovem. A ausência de credibilidade nos políticos pode
responder em parte (mas não justifica) esse tsunami desastroso que elimina, por
tabela, pessoas que têm projetos reestruturadores e que poderiam contribuir com
mudanças significativas para as cidades e para sociedade em geral.
O modo como o nosso sistema eleitoral está posto abre uma fenda desconcertante na consolidação da estrutura societária. O sistema eleitoral está doente. Precisa ser tratado. Se não acordarmos da inércia que paira sobre a paisagem política eleitoral deste país, estaremos enterrando a nossa democracia, que lutamos tanto para conquistar.