Em Teclas com Pessoa
Carlos Laerte
O cigarro e a tecla
lúdicos companheiros
dos meus delírios
poéticos
tão em mim buscando fuga.
Se me agradam somente
por vaidade,
descrevo o cigarro e apago
a tecla.
Pode haver vida textual
se na minha ficção
não absorvo poesia?
Irrealidades imagino
mas isso não compõe existência
Ordenando-me em linha reta
me fragmento
puro deslize, inútil ensaismo
verdadeiro desassossego.
Mas há outro cigarro
e as teclas uma a uma
transfiguram-se em inquietos
heterônimos
chamando-me abusivamente
à vida.
Pouco a pouco finjo-me pessoa
e me permito amigos estranhos
ali, no mesmo canto
prazerosamente, convivendo em mim
quando penso existir
marco inutilmente encontros
colóquios, mesa de bar
Em conjunto firmamos projetos
votamos concordatas
Porém desculpam-me a todo instante
a pressa dos dias, a angústia das noites
há sempre motivos para as faltas
talvez se remarcarmos aquele encontro
do bar
lembra?
na há jeito.
O apelo em mim
tão de mim buscado é só espera.
São demais os intérpretes e o tempo
se encarrega dos meus originais,
ora espalhados
ombro a ombro
entre o cigarro e as teclas
ora espelhados
pessoa a pessoa
na metade que busco entender.
Ontem apaguei o cigarro
ascendi à tecla
fantasiado pessoalmente em pessoa
cheguei em mim tão inteiro e absoluto
que da minha aldeia me fiz rei,
coroado e aclamado por muitos
cortejado por muitas que julgava
não existir
e foi tão bonita a festa
tão profunda a sesta
que despertando deste encanto
num conto renasci.
Lá me contaram histórias de um certo rei,
que despótico de si
abusivamente imperou anos a fio
construindo avenidas
determinando
paralelas
Por coincidência, pura coincidência
sendo deposto num motim.
Que podem pessoas em motim?